sexta-feira, 24 de junho de 2011

Platão - Quem ama deseja o que não tem


O PROBLEMA: O que é o amor?

A TESE: O mito do nascimento de Eros é usado por Platão para ilustrar a característica fundamental do amor: a insuficiência. Ama-se quando se deseja algo que não se tem e por isso o amor pode ser considerado filósofo. De fato, assim como o amor não tem a beleza, mas a deseja, o filósofo anela a sabedoria sem possuí-la. Portanto o amor é essencialmente uma necessidade não satisfeita, a percepção da falta de alguma coisa essencial para a própria completude.
 
O amor é filho da Pobreza e do Expediente.

DIOTIMA: Os demônios são grandes em números e muito diferentes entre si. Eros é um deles.

SÓCRATES: É filho de que pai e de que mãe?

DIOTIMA: Na verdade, é uma história muito longa, mas contarei assim mesmo. Deves saber que no dia em que nasceu Afrodite os deuses deram uma festa e, entre os convidados estava Poros, o Expediente, filho de Métis, a Prudência. Quando terminaram de jantar, como o banquete havia sido suntuoso, chegou Pênia, a Pobreza, com a intenção de mendigar, e postou-se junto à porta. No entretempo, Poros, que se embebedara de néctar (porque o vinho ainda não existia), adentrou ao jardim de Zeus e, entorpecido pela embriaguez, adormeceu. A essa altura, Pênia, que não tinha qualquer recurso, teve a idéia de ter um filho de Poros, e deitou-se ao seu lado: assim, ficou grávida de Eros.

O vinculo entre Amor e Beleza.
 
Foi esse motivo pelo qual Eros tornou-se o companheiro e servente de Afrodite: por ter sido concebido durante os festejos pelo nascimento da deusa, orienta o seu amor para o belo, sendo bela a própria Afrodite.
 
O amor nasce da necessidade e do desejo.

Eis, então, o destino que coube a Eros, como filho de Poros e Pênia. Em primeiro lugar, é sempre pobre e está longe de ser delicado e belo, como imagina a maioria das pessoas; pelo contrario, é rude e intratável, sempre descalço e sem moradia fixa; dorme sobre a terra nua e sem cobertas, deitado sob o céu aberto, junto aos umbrais das portas ou nas ruas... tudo isso porque, partilhando da natureza da mãe, convive com a indigência.
 
O amor é ativo e arrojado.

Mas, em compensação, conforme a natureza do pai, espera a ocasião favorável para lançar mão sobre as coisas boas e belas, porque é corajoso e impulsivo, veemente; hábil caçador, sempre a tramar alguma armadilha; pensador apaixonado, é capaz de encontrar soluções brilhantes para safar-se, e passa todo o seu tempo amando a sabedoria; é experiente em sortilégios, na preparação de filtros mágicos, como um sofista.

A dupla origem do Amor explica a sua natureza contraditória.

Além disso, a sua natureza não é mortal nem imortal: às vezes, no mesmo dia, quando o seu fazer chega a bom termo, é como uma flor, cheio de vida; outras vezes, ao contrario, moribundo; mas eis que novamente volta a viver graças a natureza paterna, mesmo se aquilo que conseguiu lhe escapa invariavelmente das mãos. Desse modo, Eros nunca é pobre, nunca é rico, sendo, por outro lado, um meio caminho entre a sabedoria e a ignorância.


quinta-feira, 23 de junho de 2011

As mudanças na Família, o Orgulho Hetero e as diversas expressões do conservadorismo


No mundo do pós-guerra, inúmeros movimentos sociais foram ganhando força. Desde 1945 até a época atual, os grupos discriminados em função da sexualidade causaram uma gradual mudança na constituição da instituição família, não somente no Brasil, mas em todo o que chamamos de "Ocidente".

Focando o olhar especialmente nas mulheres e nos grupos homoafetivos, as mudanças provocadas graças as lutas políticas em prol das liberdades sexuais levaram à desolidificações (para usar um termo de Marshal Berman), dos antigos pensamentos tidos como "sólidos". Dos velhos comportamentos culturais que levavam à opressão e a repressão da sexualidade, e que motivaram trabalhos eugenistas e grandes violências contra muitos.

No mundo do pós-guerra, o feminismo, e mais futuramente, as lutas contra a homofobia, foram ganhando cada vez mais força, cada vez mais espaços. Existe um processo dialético entre as instituições sociais, uma modificando a outra. As instituições tentam se manter preservadas, "conservadas", e têm em sua natureza estratégias para que isso ocorra, contudo, esse conservadorismo tende à mudança, que é provocada pelas forças políticas nas mais diferentes esferas das relações sociais.

No que uma instituição social muda, as outras mudam com ela. Esse processo pode ser percebido (assim como em qualquer outro na história) no recorte 1945 - até o presente. Quando o feminismo ganhou uma nova força, na década de 60, ao longo dos 50 anos que se seguiria, profundas mudanças na família tradicional à nossa sociedade se fariam reais. Duas delas foram a pílula contraceptiva, e o direito à separação.

A pílula contraceptiva deu a mulher o direito de exercer sua sexualidade sem o ônus que era a possibilidade de engravidar, e ter as obrigações sociais e legais a que uma mãe deveria se submeter. Essa submissão fazia e faz com que a mulher "perca sua vida" (como se diz hoje em dia) aos cuidados maternais. Para o homem, um filho nunca fora o mesmo peso que era para a mulher. O homem poderia e pode negar um filho, mas a mulher não. O homem pode "abortar" um filho, mas a mulher não. Portanto, a pílula contraceptiva abriu margem à possibilidade de uma vida sexual menos contida, mesmo que forças políticas e sociais conservadoras recaíssem e ainda recaiam sobre o uso deste método para não engravidar. (falaremos mais tarde sobre essas forças)

O direito de escolher outro marido, de desconstruir a família da qual estava enterrada, deu a mulher um poder que antes lhe era negado e reconfigurou drasticamente a face da Família Ocidental. No Brasil, esse direito foi alcançado não sem luta política, não sem sanções sociais, mas alcançado pelo processo dialético da mudança social. A Família mudava, o pensamento da mulher mudava, e o Estado se viu obrigado a mudar. Aprovando o direito ao divórcio em 26 de dezembro de 1977.

O mesmo processo foi feito pelos grupos homoafetivos, que lutavam pelos seus direitos. Recentemente, a aprovação a união estável homoafetiva deu aos gays um aparato legal para exercerem não outra coisa se não o casamento tradicional à nossa sociedade. Mas os gays reconfiguraram e lançaram novos paradigmas à sociedade. Lançaram novas questões, novas manifestações de lazer, e sobretudo, novas possibilidades. Não somente os gays, nem as mulheres, mas todo o conjunto de novas filosofias e de novos pensadores e poderes políticos (como também econômicos) abriram um leque de POSSIBILIDADES que, acredito, a sociedade ainda está mastigando.

Uma vez mais podemos constatar que mudando-se uma instituição social, as outras também irão mudar (para mais ou para menos). No mesmo conflito de forças políticas, de interesses (que ao meu ver é o combustível de toda relação social), a família modificada obrigou o Estado a modificar, "obrigou" o STF a aprovar a lei que regulamentava a união estável homoafetiva. Um dos argumentos usados pelo STF era de que as relações homoafetivas já se configuravam como casamentos reais e cotidianos, precisava-se portanto de uma lei para a regulamentação desse tipo de relação por parte do Estado.  -  que é também uma instituição social.

Não se pode deixar de falar sobre as velhas e as novas manifestações do conservadorismo que vão de encontro a essas mudanças, e principalmente, devemos falar sobre o que essas manifestações conservadoras tentam conservar, como também as consequências dessa conservação para a psicologia dos indivíduos.

Em todos esses casos, em todas as vitórias do movimento feminista, do movimento homossexual, do movimento negro, ou qualquer movimento que tente buscar a emancipação pessoal de um grupo outrora oprimido de alguma forma, os conservadores se posicionaram contrários. Quando as mulheres quiseram votar, os conservadores alegaram que as mulheres não tinham consciência política (ou humanidade?) suficiente para isso. Quando chegou a pílula, as Igrejas Cristãs, conservadoras que são, se posicionaram contrárias. Agora, quando uma Igreja tenta impedir as mulheres de não engravidar numa relação sexual, o que ela está fazendo? Está dando sentido a opressão sexual dos homens sobre as mulheres, ou da emancipação da vontade e a manifestação da IGUALDADE entre os gêneros? Esse voto pela não tomada da pílula contraceptiva, acarreta em que conseqüências sociais e psicológicas para a vida das mulheres? Que não tomando ganhariam um filho e todas as obrigações que isso trás, "perdendo suas vidas". Perdendo futuras liberdades, amarradas nas correntes sociais e psicológicas que a atariam agora e para sempre, afinal, como diz também o senso comum, "filho é para o resto de vida".

Em todo o recorte que faço, desde 45 até o dia de hoje, os grupos conservadores no Estado, na Igreja, na Família, na Escola lutaram politicamente defendendo discursos sobre o fim dos tempos. Quando o debate sobre o "casamento gay" estourou no Brasil ainda há pouco, os clérigos profetizavam o apocalipse, alegando que o casamento gay era contrário a uma "natureza humana", ou contrário a um "modelo sagrado de família". E vem os discursos às apelações emocionais, que em grande partes estão embebedadas de conservadorismo.

Ontem (22/06/2011) foi Treding Topic Brazil, no Twitter, a tag "Orgulho Hetero", muitos, como se pode imaginar, defendiam o movimento social dos "orgulhosos de serem heterossexuais". Qual é a contradição nesse "movimento social"? A história é quem nos mostra.

Os "heterossexuais" nunca foram discriminados em função da sua orientação sexual, seja homem ou mulher, um heterossexual não sofre sanções ou sofreram sanções que os gays e os negros sofreram. O movimento do Orgulho Hetero, tenta uma desconfiguração, uma negação e uma inversão da história. Os homossexuais e os negros morreram no nazismo, e sofreram diversas outras formas de manifestações da violência; os homossexuais sofreram e sofrem desde a violência sexual (com os estupros corretivos), psicologica (no âmbito da família, por exemplo), ou simbólicas (com professores e líderes homofobicos). Os negros sofreram sanções políticas, econômicas, institucionais, foram submetidos a guetos e etc.

O Orgulho Gay e o Orgulho Negro são movimentos criados para tentar introduzir políticas afirmativas, para que de alguma maneira essas pessoas se sintas mais humanos num mundo em constante trabalho de desumanização. São movimentos "para levantar o astral" e levar as pessoas á luta, para tentar mostrar que para além da psicologia minada, para além dos estigmas sociais, pode existir um mundo de possibilidade igualitárias, se houver luta política.

Já os "heterossexuais" nunca tiveram sua sexualidade estigmatizada, nunca morreram no nazismo devido a sua heterossexualidade. Nunca sofreram os diversos tipos de bullying em função da sua sexualidade. Pelo contrário, sempre foram a sexualidade dominante, tida como normal, tida como natural, tida como superior, divina, assim como a pele branca e os olhos azuis, em nossa sociedade, em nossa história.

Esses "Orgulhos" Branco e Hetero não têm uma negatividade na sua natureza de coisa, mas a verdadeira intenção desses discursos é a tentativa de retomar as normas. E se alega que o mundo está "dominado" pelos gays ou pelos negros, ou pelas mulheres. Ora, as pessoas não são impedidas de andar de mãos dadas com o sexo oposto, nem de se casar com o sexo oposto, as pessoas não são expulsas de casa por serem heterossexuais, nem sofrem qualquer violência em função disso, ao contrário, são assegurados pelas instituições e pelas leis. E não existe, é lógico, nada de errado em ser heterossexual.


O que as lutas políticas dos oprimidos contra os opressores fizeram não foi uma "revolução social", essas lutas não revolucionaram a política, nem a economia, nem as instituições, elas apenas fizeram e continuam tentando por os discriminados em situação de paridade com o resto da raça humana. Essas lutas não "revolucionaram" coisa nenhuma, apenas asseguraram o direito dos discriminados serem um pouco mais humanos.

O casamento gay é uma instituição conservadora, ela não inova nada que não seja  o gênero dentro de uma nova família nuclear burguesa. Ela continua com os mesmo parâmetros. E os gays, conservadores como são, ainda preservaram os modelos de namoro, noivado e casamento. Mesmo que tenham aberto os olhos para as inúmeras possibilidades de vida conjunta. As mulheres apenas se equipararam aos homens, não criaram nada que os homens não tenham feito anteriormente.

Mas o produto que eu considero primordial desses processos políticos, afora certas "liberdades", é a possibilidade de a sociedade questionar suas próprias maneiras de existir culturalmente. E isso fica claro. Os antigos sólidos se desmancharam no ar, e as pessoas tentam se agarrar a novas identidades, que também teimam em se desmanchar no ar. O que me parece importante notar é a possibilidade que o capitalismo e a nossa sociedade capitalista abriu (mais para quem tem mais dinheiro, e menos para quem tem menos) de ESCOLHAS.

Agora, mesmo os heterossexuais, podem escolher transar com várias mulheres, se casar com várias mulheres, firmarem o contrato que desejarem. Os gays também podem firmar o contráto de familiar que quiserem, de ter ou não filhos, e a quantidade de filho. De uma forma ou de outra. Mesmo com tantas limitações, penso ser produto do capitalismo, e da nossa sociedade, essas liberdades e possibilidades.

Naturalmente que no mundo não se escolhe certas coisas com facilidade. Mas a nossa sociedade, foi a única que desenvolveu uma racionalização da política a este nível. Uma racionalização da democracia, uma universalização de valores, mesmo com tantos "problemas". Não consigo imaginar uma sociedade perfeita, seja ela o modelo mais comunista ou mais capitalista, mas creio que uma sociedade que tente cada vez mais permitir a possibilidade de escolhas de vida para seus indivíduos e grupos, a possibilidade de ser macheira, de ser viado, de ser travesti, de fazer ménage, de fazer troca de casais, de ser conservador, de ser protestante, enfim, de ser o que quiser, desde que não interfira negativamente no outro, uma sociedade que tente cada vez mais, através de suas lutas, permitir essas possibilidades, estará num bom caminho para a emancipação humana. Que não acaba nunca.

Leonardo Antunes

segunda-feira, 20 de junho de 2011

O Hulk, e outros heróis, não vão acabar com a pobreza


Dois quadros televisivos são de chamar a atenção, tanto pelo sentimentalismo como pela "boa ação social" que fazem. São eles: o "Lar doce lar", programa da Rede Globo, apresentado por Luciano Huck, e o "De volta para minha terra", da Rede Record, apresentado no programa do Gugu, aquele cara que tinha o chupa-cabra como uma das grandes atrações televisivas nos anos 90.

A premissa básica de ambos os programas é a de que a pobreza de São Paulo é nordestina e precisa ser despachada ‘de volta para sua terra; e os telespectadores, bondosos que são, irão acompanhar o despacho, e mais: darão casa, comida, emprego e renda. Porque o programa é elaborado para que sintamos exatamente isso.

Mascarando à idéia de uma boa ação, que de tão emocionante põe lágrimas nos nossos olhos, está presente uma série de ideologias e reforços aos preconceitos, tão mascarados que chegam a desaparecer, ou melhor, a não aparecer, mesmo sambando diante dos nossos olhos.

A primeira coisa a se falar é a configuração do Estado Brasileiro na gestão de sua pobreza. É uma má administração tal que se faz necessário um programa mercenário se valer da ação que deveria ser tomada pelo Estado - que é pago com nossos impostos - para erradicar a pobreza e a miséria.

É claro que a pobreza extrema sofreu um impacto nos oito anos da gestão do ex-presidente Lula, visto que 50% dela fora erradicada, como mostrou uma pesquisa realizada pelo economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas. Mas é sabido que as várias manifestações das pobrezas e exclusões sociais são ainda muito tangentes.

Não bastasse o Estado mal administrando nossos impostos, ainda existem esses programas de empresas particulares, que arrecadam dinheiro com as propagandas que são mostradas nos seus intervalos, para reverter esse mesmo dinheiro num serviço que deveria ser feito pelo Governo, e não por empresas particulares que, somente no reino da ilusão, ajudam a diminuir a pobreza. Consoante a isso, a ideologia do Estado fraco é internalizada, e de brinde recebemos a ideologia de que seriam as empresas a realmente se responsabilizarem pelo bem estar social. Esses programas não visam uma política pública contra a miséria (até porque esse é trabalho do Estado), visam somente o lucro sobre o espetáculo que é a pobreza alheia.

Outra ideologia difundida por esse tipo de programa é a de que os nordestinos que residem em São Paulo ou no Rio são todos pobres, merecedores de pena, da pena de Gugu ou do Luciano Huck. Porque aqui no Nordeste ainda não houve a percepção do preconceito que os nordestinos sofrem nessas cidades, (o que não é, naturalmente, algo generalizado). O próprio José Serra alegava que a má qualidade do ensino de São Paulo era responsabilidade dos nordestinos que viviam ali, e não conseqüência da sua administração pública.

O que os programas como o De volta para minha terra e o Lar doce lar fazem é uma micro-ação do que deveria ser macro-ação e bandeira do Estado de São Paulo e do Rio, e do país inteiro. O problema é que dando casa para somente um pobre, o programa faz esquecer que ainda existem tantos outros milhões à solta no país (pois os pobres são como bichos esquecidos, como retrata Graciliano Ramos). Chamou atenção um episódio do Lar doce lar onde o Luciano apresentava o filho de um beneficiado (que jogava futebol de rua) a ninguém menos que Ronaldo Gaúcho; o menino recebeu uma oportunidade de bolsa no campo onde o Ronaldo treinava, onde se encontrava também outras crianças de classe média alta.

Mas o programa não tocava o tema da situação do esporte no Brasil, onde somente os filhos dos ricos têm a oportunidade de jogar com bons profissionais, não tocava na situação do esporte na favela; ele põe uma criança da periferia num campo onde brilham muitas estrelas e salvou-se o mundo. E torna-se um herói. Torna-se o salvador que, me parece, o brasileiro tem o habito de esperar. O Deux ex machina da vida coitada que o brasileiro leva.

O programa máscara a realidade política. Faz o que é extremamente comum nas televisões de todo o mundo, o "desviar o olhar" das raízes dos problemas. Poda somente uma única folha de uma floresta inteira de complicações sociais, e tornam-se heróis por isso. E arrancam lágrimas dos nossos olhos. Dão-nos a sensação de que alguém está fazendo alguma coisa pra mudar o Brasil. Mas não se está necessariamente.

E, definitivamente, 'alguéns precisa fazer alguma coisa.

Leonardo França