segunda-feira, 20 de junho de 2011

O Hulk, e outros heróis, não vão acabar com a pobreza


Dois quadros televisivos são de chamar a atenção, tanto pelo sentimentalismo como pela "boa ação social" que fazem. São eles: o "Lar doce lar", programa da Rede Globo, apresentado por Luciano Huck, e o "De volta para minha terra", da Rede Record, apresentado no programa do Gugu, aquele cara que tinha o chupa-cabra como uma das grandes atrações televisivas nos anos 90.

A premissa básica de ambos os programas é a de que a pobreza de São Paulo é nordestina e precisa ser despachada ‘de volta para sua terra; e os telespectadores, bondosos que são, irão acompanhar o despacho, e mais: darão casa, comida, emprego e renda. Porque o programa é elaborado para que sintamos exatamente isso.

Mascarando à idéia de uma boa ação, que de tão emocionante põe lágrimas nos nossos olhos, está presente uma série de ideologias e reforços aos preconceitos, tão mascarados que chegam a desaparecer, ou melhor, a não aparecer, mesmo sambando diante dos nossos olhos.

A primeira coisa a se falar é a configuração do Estado Brasileiro na gestão de sua pobreza. É uma má administração tal que se faz necessário um programa mercenário se valer da ação que deveria ser tomada pelo Estado - que é pago com nossos impostos - para erradicar a pobreza e a miséria.

É claro que a pobreza extrema sofreu um impacto nos oito anos da gestão do ex-presidente Lula, visto que 50% dela fora erradicada, como mostrou uma pesquisa realizada pelo economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas. Mas é sabido que as várias manifestações das pobrezas e exclusões sociais são ainda muito tangentes.

Não bastasse o Estado mal administrando nossos impostos, ainda existem esses programas de empresas particulares, que arrecadam dinheiro com as propagandas que são mostradas nos seus intervalos, para reverter esse mesmo dinheiro num serviço que deveria ser feito pelo Governo, e não por empresas particulares que, somente no reino da ilusão, ajudam a diminuir a pobreza. Consoante a isso, a ideologia do Estado fraco é internalizada, e de brinde recebemos a ideologia de que seriam as empresas a realmente se responsabilizarem pelo bem estar social. Esses programas não visam uma política pública contra a miséria (até porque esse é trabalho do Estado), visam somente o lucro sobre o espetáculo que é a pobreza alheia.

Outra ideologia difundida por esse tipo de programa é a de que os nordestinos que residem em São Paulo ou no Rio são todos pobres, merecedores de pena, da pena de Gugu ou do Luciano Huck. Porque aqui no Nordeste ainda não houve a percepção do preconceito que os nordestinos sofrem nessas cidades, (o que não é, naturalmente, algo generalizado). O próprio José Serra alegava que a má qualidade do ensino de São Paulo era responsabilidade dos nordestinos que viviam ali, e não conseqüência da sua administração pública.

O que os programas como o De volta para minha terra e o Lar doce lar fazem é uma micro-ação do que deveria ser macro-ação e bandeira do Estado de São Paulo e do Rio, e do país inteiro. O problema é que dando casa para somente um pobre, o programa faz esquecer que ainda existem tantos outros milhões à solta no país (pois os pobres são como bichos esquecidos, como retrata Graciliano Ramos). Chamou atenção um episódio do Lar doce lar onde o Luciano apresentava o filho de um beneficiado (que jogava futebol de rua) a ninguém menos que Ronaldo Gaúcho; o menino recebeu uma oportunidade de bolsa no campo onde o Ronaldo treinava, onde se encontrava também outras crianças de classe média alta.

Mas o programa não tocava o tema da situação do esporte no Brasil, onde somente os filhos dos ricos têm a oportunidade de jogar com bons profissionais, não tocava na situação do esporte na favela; ele põe uma criança da periferia num campo onde brilham muitas estrelas e salvou-se o mundo. E torna-se um herói. Torna-se o salvador que, me parece, o brasileiro tem o habito de esperar. O Deux ex machina da vida coitada que o brasileiro leva.

O programa máscara a realidade política. Faz o que é extremamente comum nas televisões de todo o mundo, o "desviar o olhar" das raízes dos problemas. Poda somente uma única folha de uma floresta inteira de complicações sociais, e tornam-se heróis por isso. E arrancam lágrimas dos nossos olhos. Dão-nos a sensação de que alguém está fazendo alguma coisa pra mudar o Brasil. Mas não se está necessariamente.

E, definitivamente, 'alguéns precisa fazer alguma coisa.

Leonardo França

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