quinta-feira, 23 de junho de 2011

As mudanças na Família, o Orgulho Hetero e as diversas expressões do conservadorismo


No mundo do pós-guerra, inúmeros movimentos sociais foram ganhando força. Desde 1945 até a época atual, os grupos discriminados em função da sexualidade causaram uma gradual mudança na constituição da instituição família, não somente no Brasil, mas em todo o que chamamos de "Ocidente".

Focando o olhar especialmente nas mulheres e nos grupos homoafetivos, as mudanças provocadas graças as lutas políticas em prol das liberdades sexuais levaram à desolidificações (para usar um termo de Marshal Berman), dos antigos pensamentos tidos como "sólidos". Dos velhos comportamentos culturais que levavam à opressão e a repressão da sexualidade, e que motivaram trabalhos eugenistas e grandes violências contra muitos.

No mundo do pós-guerra, o feminismo, e mais futuramente, as lutas contra a homofobia, foram ganhando cada vez mais força, cada vez mais espaços. Existe um processo dialético entre as instituições sociais, uma modificando a outra. As instituições tentam se manter preservadas, "conservadas", e têm em sua natureza estratégias para que isso ocorra, contudo, esse conservadorismo tende à mudança, que é provocada pelas forças políticas nas mais diferentes esferas das relações sociais.

No que uma instituição social muda, as outras mudam com ela. Esse processo pode ser percebido (assim como em qualquer outro na história) no recorte 1945 - até o presente. Quando o feminismo ganhou uma nova força, na década de 60, ao longo dos 50 anos que se seguiria, profundas mudanças na família tradicional à nossa sociedade se fariam reais. Duas delas foram a pílula contraceptiva, e o direito à separação.

A pílula contraceptiva deu a mulher o direito de exercer sua sexualidade sem o ônus que era a possibilidade de engravidar, e ter as obrigações sociais e legais a que uma mãe deveria se submeter. Essa submissão fazia e faz com que a mulher "perca sua vida" (como se diz hoje em dia) aos cuidados maternais. Para o homem, um filho nunca fora o mesmo peso que era para a mulher. O homem poderia e pode negar um filho, mas a mulher não. O homem pode "abortar" um filho, mas a mulher não. Portanto, a pílula contraceptiva abriu margem à possibilidade de uma vida sexual menos contida, mesmo que forças políticas e sociais conservadoras recaíssem e ainda recaiam sobre o uso deste método para não engravidar. (falaremos mais tarde sobre essas forças)

O direito de escolher outro marido, de desconstruir a família da qual estava enterrada, deu a mulher um poder que antes lhe era negado e reconfigurou drasticamente a face da Família Ocidental. No Brasil, esse direito foi alcançado não sem luta política, não sem sanções sociais, mas alcançado pelo processo dialético da mudança social. A Família mudava, o pensamento da mulher mudava, e o Estado se viu obrigado a mudar. Aprovando o direito ao divórcio em 26 de dezembro de 1977.

O mesmo processo foi feito pelos grupos homoafetivos, que lutavam pelos seus direitos. Recentemente, a aprovação a união estável homoafetiva deu aos gays um aparato legal para exercerem não outra coisa se não o casamento tradicional à nossa sociedade. Mas os gays reconfiguraram e lançaram novos paradigmas à sociedade. Lançaram novas questões, novas manifestações de lazer, e sobretudo, novas possibilidades. Não somente os gays, nem as mulheres, mas todo o conjunto de novas filosofias e de novos pensadores e poderes políticos (como também econômicos) abriram um leque de POSSIBILIDADES que, acredito, a sociedade ainda está mastigando.

Uma vez mais podemos constatar que mudando-se uma instituição social, as outras também irão mudar (para mais ou para menos). No mesmo conflito de forças políticas, de interesses (que ao meu ver é o combustível de toda relação social), a família modificada obrigou o Estado a modificar, "obrigou" o STF a aprovar a lei que regulamentava a união estável homoafetiva. Um dos argumentos usados pelo STF era de que as relações homoafetivas já se configuravam como casamentos reais e cotidianos, precisava-se portanto de uma lei para a regulamentação desse tipo de relação por parte do Estado.  -  que é também uma instituição social.

Não se pode deixar de falar sobre as velhas e as novas manifestações do conservadorismo que vão de encontro a essas mudanças, e principalmente, devemos falar sobre o que essas manifestações conservadoras tentam conservar, como também as consequências dessa conservação para a psicologia dos indivíduos.

Em todos esses casos, em todas as vitórias do movimento feminista, do movimento homossexual, do movimento negro, ou qualquer movimento que tente buscar a emancipação pessoal de um grupo outrora oprimido de alguma forma, os conservadores se posicionaram contrários. Quando as mulheres quiseram votar, os conservadores alegaram que as mulheres não tinham consciência política (ou humanidade?) suficiente para isso. Quando chegou a pílula, as Igrejas Cristãs, conservadoras que são, se posicionaram contrárias. Agora, quando uma Igreja tenta impedir as mulheres de não engravidar numa relação sexual, o que ela está fazendo? Está dando sentido a opressão sexual dos homens sobre as mulheres, ou da emancipação da vontade e a manifestação da IGUALDADE entre os gêneros? Esse voto pela não tomada da pílula contraceptiva, acarreta em que conseqüências sociais e psicológicas para a vida das mulheres? Que não tomando ganhariam um filho e todas as obrigações que isso trás, "perdendo suas vidas". Perdendo futuras liberdades, amarradas nas correntes sociais e psicológicas que a atariam agora e para sempre, afinal, como diz também o senso comum, "filho é para o resto de vida".

Em todo o recorte que faço, desde 45 até o dia de hoje, os grupos conservadores no Estado, na Igreja, na Família, na Escola lutaram politicamente defendendo discursos sobre o fim dos tempos. Quando o debate sobre o "casamento gay" estourou no Brasil ainda há pouco, os clérigos profetizavam o apocalipse, alegando que o casamento gay era contrário a uma "natureza humana", ou contrário a um "modelo sagrado de família". E vem os discursos às apelações emocionais, que em grande partes estão embebedadas de conservadorismo.

Ontem (22/06/2011) foi Treding Topic Brazil, no Twitter, a tag "Orgulho Hetero", muitos, como se pode imaginar, defendiam o movimento social dos "orgulhosos de serem heterossexuais". Qual é a contradição nesse "movimento social"? A história é quem nos mostra.

Os "heterossexuais" nunca foram discriminados em função da sua orientação sexual, seja homem ou mulher, um heterossexual não sofre sanções ou sofreram sanções que os gays e os negros sofreram. O movimento do Orgulho Hetero, tenta uma desconfiguração, uma negação e uma inversão da história. Os homossexuais e os negros morreram no nazismo, e sofreram diversas outras formas de manifestações da violência; os homossexuais sofreram e sofrem desde a violência sexual (com os estupros corretivos), psicologica (no âmbito da família, por exemplo), ou simbólicas (com professores e líderes homofobicos). Os negros sofreram sanções políticas, econômicas, institucionais, foram submetidos a guetos e etc.

O Orgulho Gay e o Orgulho Negro são movimentos criados para tentar introduzir políticas afirmativas, para que de alguma maneira essas pessoas se sintas mais humanos num mundo em constante trabalho de desumanização. São movimentos "para levantar o astral" e levar as pessoas á luta, para tentar mostrar que para além da psicologia minada, para além dos estigmas sociais, pode existir um mundo de possibilidade igualitárias, se houver luta política.

Já os "heterossexuais" nunca tiveram sua sexualidade estigmatizada, nunca morreram no nazismo devido a sua heterossexualidade. Nunca sofreram os diversos tipos de bullying em função da sua sexualidade. Pelo contrário, sempre foram a sexualidade dominante, tida como normal, tida como natural, tida como superior, divina, assim como a pele branca e os olhos azuis, em nossa sociedade, em nossa história.

Esses "Orgulhos" Branco e Hetero não têm uma negatividade na sua natureza de coisa, mas a verdadeira intenção desses discursos é a tentativa de retomar as normas. E se alega que o mundo está "dominado" pelos gays ou pelos negros, ou pelas mulheres. Ora, as pessoas não são impedidas de andar de mãos dadas com o sexo oposto, nem de se casar com o sexo oposto, as pessoas não são expulsas de casa por serem heterossexuais, nem sofrem qualquer violência em função disso, ao contrário, são assegurados pelas instituições e pelas leis. E não existe, é lógico, nada de errado em ser heterossexual.


O que as lutas políticas dos oprimidos contra os opressores fizeram não foi uma "revolução social", essas lutas não revolucionaram a política, nem a economia, nem as instituições, elas apenas fizeram e continuam tentando por os discriminados em situação de paridade com o resto da raça humana. Essas lutas não "revolucionaram" coisa nenhuma, apenas asseguraram o direito dos discriminados serem um pouco mais humanos.

O casamento gay é uma instituição conservadora, ela não inova nada que não seja  o gênero dentro de uma nova família nuclear burguesa. Ela continua com os mesmo parâmetros. E os gays, conservadores como são, ainda preservaram os modelos de namoro, noivado e casamento. Mesmo que tenham aberto os olhos para as inúmeras possibilidades de vida conjunta. As mulheres apenas se equipararam aos homens, não criaram nada que os homens não tenham feito anteriormente.

Mas o produto que eu considero primordial desses processos políticos, afora certas "liberdades", é a possibilidade de a sociedade questionar suas próprias maneiras de existir culturalmente. E isso fica claro. Os antigos sólidos se desmancharam no ar, e as pessoas tentam se agarrar a novas identidades, que também teimam em se desmanchar no ar. O que me parece importante notar é a possibilidade que o capitalismo e a nossa sociedade capitalista abriu (mais para quem tem mais dinheiro, e menos para quem tem menos) de ESCOLHAS.

Agora, mesmo os heterossexuais, podem escolher transar com várias mulheres, se casar com várias mulheres, firmarem o contrato que desejarem. Os gays também podem firmar o contráto de familiar que quiserem, de ter ou não filhos, e a quantidade de filho. De uma forma ou de outra. Mesmo com tantas limitações, penso ser produto do capitalismo, e da nossa sociedade, essas liberdades e possibilidades.

Naturalmente que no mundo não se escolhe certas coisas com facilidade. Mas a nossa sociedade, foi a única que desenvolveu uma racionalização da política a este nível. Uma racionalização da democracia, uma universalização de valores, mesmo com tantos "problemas". Não consigo imaginar uma sociedade perfeita, seja ela o modelo mais comunista ou mais capitalista, mas creio que uma sociedade que tente cada vez mais permitir a possibilidade de escolhas de vida para seus indivíduos e grupos, a possibilidade de ser macheira, de ser viado, de ser travesti, de fazer ménage, de fazer troca de casais, de ser conservador, de ser protestante, enfim, de ser o que quiser, desde que não interfira negativamente no outro, uma sociedade que tente cada vez mais, através de suas lutas, permitir essas possibilidades, estará num bom caminho para a emancipação humana. Que não acaba nunca.

Leonardo Antunes

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